Justiça que restaura

Marshall Rosenberg, criador da Comunicação Não-Violenta, dizia que entender o mundo pela lente binária bom/mau e certo/errado é a porta de entrada da violência em nossas sociedades.

Segundo ele, essa maneira de pensar legitima a violência, a faz aceitável, justificável ou até recomendável, pois serve de base para a ideia de justiça retributiva. Nesse modelo de pensamento retributivo, o mau ou errado deve ser castigado e o bom ou certo merece ser premiado.

Não falamos apenas do sistema judiciário, que é um desdobramento dessa forma de pensar. Se trata de algo mais amplo e fundamental, que é a ideia ou conceito do que significa justiça em nossa cultura e que todos sustentamos e reproduzimos em nossas famílias, escolas, comunidades, trabalho, etc.

No paradigma da justiça retributiva, quando alguém faz algo que consideramos correto ou bom, pensamos que a pessoa merece recompensa, elogio, ponto positivo e notas altas na escola, por ex., salários maiores e bônus no trabalho, etc. Quando alguém faz algo que consideramos errado ou mau, entendemos que essa pessoa merece punição. Parece justo, não é? O problema é que esse pensamento de merecimento serve de legitimação para que uma pessoa seja castigada, apanhe ou até mesmo seja morta.

Já percebeu como em filmes ou desenhos animados torcemos para que o vilão sofra? Apanhe? Morra? Como vibramos quando isso ocorre? Esse é apenas um sintoma de uma crença profunda, entranhada na maneira de pensar da nossa cultura, de que o mal merece ser castigado e então, nesses casos, a violência é justificada, aceita, valorizada e até mesmo celebrada.

O problema é que muitas vezes o que é correto para alguns é errado para outros. O mocinho de um grupo é o bandido do outro. O terrorista de um é o libertador do outro.

É muito difícil encontrar um certo/errado absolutos e externos às situações, uma moral universal e binária que possa ser aplicada a todos os contextos. E assim o ciclo de violência se perpetua.

Existe um outro paradigma que desafia este modelo binário de pensamento e busca enxergar a complexidade presente em cada situação. É essa forma de ver o mundo que a Comunicação Não-Violenta busca resgatar. Ela propõe novas lentes que nos permitem enxergar a humanidade por trás de qualquer ato, por mais violento que seja. Esta forma de entendimento está conectada com o modelo de justiça restaurativa, que busca promover compreensão, compaixão, empatia e a restauração dos danos sofridos e da humanidade perdida.

Não se trata de aceitar os atos ou circunstâncias violentas, pois compreender não significa concordar ou aceitar. Trata-se de criar condições para que os envolvidos possam se conectar com a própria humanidade e dos demais envolvidos, perceber o sofrimento gerado e o próprio sofrimento, e serem tocados e transformados, a ponto de, juntos, vítima e ofensor, encontrarem maneiras de reparar e restaurar o que foi perdido.

*Texto originalmente publicado na Revista Bons Fluídos/Viva Saúde. Escrito por Sandra Caselato e Yuri Haasz.

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